Thursday, July 09, 2009

A REESTRUTURAÇÃO DA GNR E O DESPREZO DOS MILITARES PELA SOCIEDADE CIVIL



Quando me aproximo do fim da carreira (já passaria as tardes a comer caracóis e a beber cerveja se o nosso protector e ideólogo Eng. Sócrates não tivesse mudado as regras a meio do jogo) a reestruturação da Guarda veio trazer-me um período de grande desassossego - diria mesmo aflição, se os camaradas do posto territorial para onde me enviaram não fossem compreensivos e bons didactas e os portugueses não estivessem já habituados a ser pacientes com os maus serviços prestados pelo Estado.
Da inutilidade da Brigada Fiscal, sentenciaram mentes iluminadas, a começar pelo forte grupo de pressão de oficiais de alta patente (A GNR nunca soube o que fazer com a Guarda Fiscal/Brigada Fiscal) denominados de “castelhanos”, pois nada mais fazem que glorificar e copiar a estrutura orgânica da Guardia Civil, que sempre foi um ramo do exército espanhol, e não uma força de segurança como a GNR era, até há bem pouco; a acabar no dr. António Costa, ex-ministro da Administração Interna, que “partindo a loiça toda” com uma reestruturação atabalhoada e mal pensada, se pôs a andar para a Câmara de Lisboa deixando os “cacos” todos para o ministro Rui Pereira, polícias e guardas, apanharem.
No início da década de 90 do século passado, também outras mentes iluminadas e isentas tinham sentenciado o fim da Guarda Fiscal, a começar pelo honesto secretário de estado das finanças, Oliveira e Costa, passando pela sempre mesma trupe de oficiais da Guarda/Exército que “apunhalaram” o último comandante geral da Guarda Fiscal, general Hugo dos Santos (um capitão de Abril) a acabar no insuspeito dr. Dias Loureiro, então ministro da Administração Interna.
Os governantes que mantiveram a Guarda Fiscal durante mais de um século foram, claro está, obtusos e incompetentes.
Mas, parafraseando o meu ex-comandante do Destacamento Fiscal X, capitão "Abelha", "Caralho! Acabou, acabou, foda-se!"E, de um dia para o outro, lá fui recambiado para um Posto Territorial. Como andei a vida toda a fazer noitadas, patrulhas e sentinelas (ainda sou do tempo dos turnos de 4 horas de serviço, 8 de folga), não estranhei muito a escala do territorial, embora, sejamos honestos, na actual conjuntura social e laboral trabalhar sete dias seguidos para descansar ao oitavo, é OBRA! - senão crime!
Eu até sei das similitudes que os militares, os de alta patente, claro está, encontram com a divindade superior quando se olham ao espelho... mas querer que o "pobre" patrulheiro, o "pau-para-toda-a-obra", esse ser “inferior” na hierarquia militar e mesmo na classe de praças, agora guardas, supere o Criador é exagerado. É que Deus criou o mundo em 6 dias e descansou ao sétimo.

Nós sabemos que os militares sempre se julgaram acima da dita "sociedade civil", que lhe vai pagando o ordenado. Ainda há pouco tempo, era da gíria nos quartéis da Guarda, fazer referência ao global dos não fardados como: "Esses cabrões dos civis!" ou "Os civis são todos uns filhos da puta!", não se distinguindo entre o honesto chefe de família e cidadão com o IRS em dia e o mais bárbaro assassino - "os civis são uns cabrões que de vez em quando é preciso dar umas murraças no posto para andarem com a garupa baixa".
Mas a Democracia vai contaminado e é preciso outra linguagem, outra imagem, pelo menos enquanto se mantiver o intervalo democrático. E o "cabrão do civil" transvestiu-se em " sr. cidadão". Mas, no fundo, o desprezo pela sociedade civil mantém-se, camuflado. E na camuflagem são os militares exímios camaleões. É por isso que os patrulheiros do territorial, aqueles que servem directamente o cidadão e são, no fundo, a razão de ser da Guarda são tidos como párias dentro da estrutura da Guarda. Tudo falta nos PTs, que deviam estar apetrechados para bem servir os cidadãos, desde instalações, a equipamentos, a pessoal, a horários de trabalho saudáveis ( e quando digo saudáveis é para a saúde mental e física). Mas como os PTs são para servir a sociedade civil têm, PROPOSITADAMENTE, aquele aspecto de abandono e degradação próprio das estruturas que estão vocacionadas para servir as classes mais baixas da hierarquia social. Essa degradação contrasta com os gabinetes, carros e messes dos senhores oficiais. E mesmo que alguns autarcas e a administração central edifique novas instalações, depressa a não substituição do mobiliário, a falta de pintura das paredes, dá lugar ao "pâté" necessário para tornar o espaço no ambiente degradante exigido para os locais onde circulam as pessoas de baixa condição. Quem visita, por exemplo, a messe de oficiais do quartel do Carmo, tem obrigatoriamente de fazer uma associação com o partido bolchevique da ex URSS ou com os regimes fascistas. Quem conhece os quartéis de maior dimensão da Guarda, o Carmo é exemplo paradigmático, sabe que há uma porta principal com um tapete vermelho por onde entra e circula a classe oficial dirigente (a porta que dá para o largo do Carmo), a restante “maralha” entra por uma porta lateral, a das “cavalariças”, que dá para a calçada do Carmo).

O sentimento de desprezo com que os militares continuam a devotar à actual sociedade civil democrática, que lhe retirou nos últimos décadas muito do poder político que tinham, leva a que privilegie e beneficie tudo o que não é serviço territorial/policial. Seja Unidades de Intervenção para "combater" no estrangeiro, sejam Grupos de Operações Especiais seja fanfarras e guardas de honra. Tudo o que é estritamente militar é acarinhado, tudo o que é para proteger o cidadão no quotidiano é deixado ao desleixo - os militares são para grandes causas, não para perseguir meliantes (civis) que roubam carteiras a outros civis.
É por isso que os patrulheiros do territorial tem um horário de trabalho com uma qualidade muito inferior ao restante efectivo e apesar de, na prática, serem os que morrem mais ( quer em serviço, quer por se suicidarem devido ao regime a que são sujeitos) não têm direito a qualquer subsídio suplementar, como os seus colegas " especiais". Não é por acaso que ir para o Territorial é considerado, muitas vezes, como um castigo. "Toda a gente" se tenta livrar daquela "escravidão" e para isso pululam as cunhas e empenhos, o que agrada à classe superior e que é uma característica dos regimes autoritários e... corruptos.

Bom, isto para dizer que a GNR me colocou num posto territorial, portanto para servir os cidadãos sem me ter dado o mínimo de formação para isso. E isso demonstra bem o desprezo ou desinteresse que tem por esses mesmos cidadãos. Não pode haver outra interpretação.
Perguntará o leitor menos conhecedor da questão. " Como é que não tem formação se é militar da GNR?"
Acontece que as mentes iluminadas que elaboraram a reestruturação pensaram, com o lápis debaixo da orelha, assim:
"Ora a Brigada Fiscal tem 3000 homens, a nossa costa é rochosa e não é atreita a contrabando, os nossos cidadãos tem forte consciência cívica já pagam todos os impostos, especialmente o IVA, não é preciso mais acções de fiscalização nas estradas, nos estabelecimentos e empresas. Pega-se nesses 3000 "mandriões" e colocam-se no territorial a perseguir os criminosos... Bom os criminosos excepto os que fogem ao pagamento dos impostos, porque, na verdade, esses não são bem criminosos... "
E assim foi! Lá foram para o Territorial os 3000 mandriões (piores que eles só mesmo os professores). Só que as mentes brilhantes esqueceram-se que dos 3000, 2900 eram oriundos da Guarda Fiscal, e a formação que tiveram foi sempre no âmbito fiscal: Contrabando, descaminho, controlo de passageiros (antes do SEF ) Impostos Especiais sobre Consumo, Contrafacção, Jogo Ilegal, etc. . Uma queixa de violência doméstica, um acidente de viação, ou mesmo situações de reposição da ordem pública eram, são, "chinês".
Claro que tudo se aprende, mas o mínimo que as chefias podiam ter feito, por respeito, não por nós patrulheiros que nunca o tiveram, mas pelos cidadãos que nos pagam o ordenado, era terem preparado um curso básico de instrução sobre o serviço territorial, para não andarmos por ali a "a apanhar bonés". A que se acresce a agravante de, devido à antiguidade, sermos quase sempre os comandantes de patrulha.

Não é só a imagem da Guarda que é afectada, é a nossa própria vida que é posta em perigo - há armas no territorial que não conheço o funcionamento, nunca sobre elas me foi dada instrução, mas tenho de as levar e “usar” (teoricamente) se necessário no serviço de patrulhamento - como conduz, também, a um desgaste ao nível psíquico que era evitado. Não deixa de "mexer com os nervos" estar sozinho no serviço de atendimento e não conseguir dar resposta às solicitações dos cidadãos que estou a atender.
Não é por acaso que os suicídios continuam e o serviço de psiquiatria há meses que não consegue dar resposta, i.e, não tem vagas. É o militarismo da GNR no seu melhor. Pena que os governantes da dita esquerda democrática continuem, ingenuamente, a deixar-se levar pelo canto de “sereios” dos militares saudosos do “Antigo Regime”. O novo Estatuto da Guarda aí está a prová-lo.

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